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O cicloativismo no Brasil, por Giselle Noceti Ammon Xavier


 
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O CICLOATIVISMO NO BRASIL E A PRODUÇÃO DA LEI DA POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA: ESTRATÉGIAS, INSTITUIÇÕES E PADRÕES DE RELAÇÃO ENTRE ATORES.

O presente ensaio tem por objetivo resgatar uma das versões da história recente do cicloativismo no Brasil, buscando situar este conjunto de atores em relação à produção da lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável.

Ensaio apresentado como trabalho final da disciplina SPO 6004 - Políticas Públicas Setoriais (2006.2) do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tendo como professor Erni José Seibel.

Giselle Noceti Ammon Xavier
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH), Área de Concentração Sociedade e Meio Ambiente (SMA); Linha de Pesquisa Desenvolvimento, conflitos e políticas públicas. Orientador: Luiz Fernando Scheibe - LAAm CFH/UFSC
Professora efetiva do Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
Coordenadora do Grupo CICLOBRASIL, Extensão e Pesquisa em Mobilidade Sustentável CEFID/UDESC.
Fundadora da VIACICLO, Associação dos Ciclousuários da Grande Florianópolis

"Acredito que uma das principais tarefas para superarmos o problema da fragmentação temática, disciplinar e analítica do estudo de políticas públicas está na construção de pontes entre os modelos de interpretação do Estado e a análise concreta de políticas específicas. Caminhos possíveis para a execução dessa tarefa dizem respeito à exploração sistemática das dinâmicas, dos mecanismos ou das estruturas de médio alcance que cercam a produção das políticas, como estratégias, instituições e padrões de relação entre atores." (MARQUES, 2006, p.17)
 

1 - O Planejamento da Mobilidade Urbana e a
Política Nacional de Mobilidade Urbana

 
"É muitas vezes difícil distinguir a política de mobilidade do planejamento da mobilidade, pois que representa a reflexão do Estado sobre a política setorial e sobre a sua própria prática" (GEIPOT, 2001).

"As políticas de transportes, tanto as relacionadas ao transporte público de passageiros quanto as relacionadas ao transporte privado e o transporte não-motorizado, influenciam e são influenciadas direta e/ou indiretamente por políticas públicas de naturezas diversas. A combinação das diversas políticas públicas, ainda que não estejam relacionadas diretamente ao setor transportes, pode afetar sobremaneira o desempenho e a configuração do setor transporte(...). Dentro do ambiente das cidades, o conjunto de políticas urbanas contribui para a definição da forma urbana. A integração das diversas políticas, tais como: uso e ocupação do solo, políticas habitacionais, políticas de transporte, prioridade de sistema viário, regulamentação etc., afeta de maneira direta a competitividade dos diversos modos de transporte, bem como a escolha desses modos e, conseqüentemente, a forma urbana. (...) A reversão da utilidade de infra-estruturas instaladas para outros fins, pode ser realidade factível e um instrumento de democratização e conscientização do uso do espaço público. A substituição dos espaços destinados ao estacionamento de carros ao longo das calçadas por ciclovias e ciclofaixas é uma política eficiente de incremento de espaço público e de reversão de infra-estrutura" (FERREIRA, 2006).

O anteprojeto de lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que vem sendo debatido em seminários desde 2005, inicia seu texto assim:

CAPÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º A política de mobilidade urbana é instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam os artigos 21, inciso XX, e 182 da Constituição Federal, e tem como objeto a interação dos deslocamentos de pessoas e bens com a cidade.

E no capítulo V refere:

CAPÍTULO V - DAS DIRETRIZES PARA O PLANEJAMENTO E GESTÃO DOS SISTEMAS DE MOBILIDADE URBANA
Art. 21 O Plano de Mobilidade Urbana previsto, no parágrafo 2º do art. 41 da Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, é o instrumento de efetivação da política de mobilidade urbana e deverá seguir os princípios e as diretrizes desta Lei (...) (M.CIDADES, 2006a)

Baseado em publicações do Ministério das Cidades (2005; 2006 a,b,c,d,e,) afirma-se:

A Política Nacional de Mobilidade Urbana, que institui as diretrizes da política de mobilidade urbana, tem íntima relação com o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001).
O Estatuto das Cidades estabeleceu a obrigatoriedade das cidades com mais de 500 mil habitantes elaborarem um Plano de Transporte Urbano Integrado, compatível com o seu plano diretor ou nele inserido. A denominação destes planos foi alterada para Plano Diretor de Transporte e da Mobilidade (PlanMob), pela Resolução nº 34, de 01 de julho de 2005, do Conselho das Cidades. Não foi só uma mudança de nome o que ocorreu, mas uma reformulação de conteúdo. Este é um conceito bem mais abrangente, que considera a mobilidade urbana "um atributo das cidades, relativo ao deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, utilizando para isto veículos, vias e toda a infra-estrutura urbana".

Os antigos planos focavam na circulação de veículos, o PlanMob se preocupa com a circulação das pessoas. A importância estratégica dessa nova abordagem é tanta, que o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, SeMob, decidiu avançar na obrigação legal e incentivar a sua elaboração por todas as cidades com mais de 100 mil habitantes, considerando que nessas ainda é possível reorientar os modelos de urbanização e de circulação de maneira preventiva.
A mesma Resolução nº 34, de 01 de julho de 2005, estabeleceu os princípios e diretrizes gerais a serem observadas na elaboração destes Planos:
(I) Garantir a diversidade das modalidades de transporte, respeitando as características das cidades, priorizando o transporte coletivo sobre o individual, os modos não motorizados e valorizando o pedestre;
(II) Garantir que a gestão da Mobilidade Urbana ocorra de modo integrado com o Plano Diretor Municipal;
(III) Respeitar as especificidades locais e regionais;
(IV) Garantir o controle da expansão urbana, a universalização do acesso à cidade, a melhoria da qualidade ambiental, e o controle dos impactos no sistema de mobilidade gerados pela ordenação do uso do solo. Esse conceito recebe ainda quatro complementos, igualmente estruturais da política desenvolvida pelo Ministério das Cidades: a inclusão social, a sustentabilidade ambiental, a gestão participativa e a democratização do espaço público.

O anteprojeto de lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, PNMU, é o instrumento que surge, como uma iniciativa do Ministério das Cidades, visando a incentivar para que este novo conceito de planejamento da mobilidade seja incorporado pelos municípios.

São princípios da PNMU:
(I) Acessibilidade urbana como direito universal;
(II) Garantia de acesso dos cidadãos ao transporte coletivo urbano;
(III) Eficiência e eficácia na prestação dos serviços de transporte coletivo;
(IV) Contribuição ao desenvolvimento sustentável das cidades;
(V) Transparência e participação social no planejamento, controle e avaliação dos serviços de transportes e da política de mobilidade urbana;
(VI) Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos do transporte urbano;
(VII) Equidade no uso do espaço publico de circulação, vias e logradouros.

São diretrizes da PNMU:
(I) Integração com a política de uso e controle do solo urbano;
(II) Diversidade e complementaridade entre os serviços e modos de transporte urbanos;
(III) Minimização dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e bens;
(IV) Inclusão social;
(V) Incentivo à adoção de energias renováveis e não poluentes;
(VI) Priorização aos modos de transporte coletivo e não-motorizados.

As palavras do Secretário Nacional de Transportes, José Carlos Xavier, em entrevista à Desafios em desenvolvimento, a revista mensal de informações e debate do IPEA e do PNUD, resumem, de uma maneira prática, do que trata a política e o anteprojeto de Lei:
"A Política Nacional para a Mobilidade Urbana Sustentável apresentada pelo Ministério das Cidades elegeu quatro eixos estratégicos de ação, que embasam os programas e projetos da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana: integração das políticas de transporte com as de desenvolvimento urbano; melhoria do transporte coletivo, com tarifas mais baratas; racionalização do uso dos veículos particulares; e valorização dos meios de transporte não-motorizados" (XAVIER, 2005).

Como pode ser observado, há uma grande lacuna entre o que se observa nas cidades e seus investimentos, e o que propõe o anteprojeto de lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana. E como pode ser deduzido, um País que tem a desigualdade social, segregação espacial, e as estatísticas de transporte e trânsito que tem o Brasil, não vai mudar da noite para o dia. No entanto, minha experiência de extensionista e cicloativista sinaliza que é assim mesmo que se muda uma realidade, é preciso fazer o "lobby". Por incrível que possa parecer, para se "vender" uma idéia tão lógica e coerente (e até racional e prática) os passos são os mesmos que para se vender qualquer outro tipo de produto de consumo, necessita propaganda, argumento, debate, tempo de amadurecimento, negociação etc. A produção da política, apesar de liderada pelo Governo Federal, é formada por todos os atores.

"O Estado brasileiro é um dos principais atores políticos no cenário do país e cumpriu historicamente papéis importantíssimos na economia e na política nacionais.(...) Entretanto, em uma situação contraditória, conhecemos muito pouco dos detalhes do seu funcionamento. Em especial temos apenas escassa compreensão sobre os processos que organizam a sua heterogeneidade e as suas dinâmicas internas. (...) Em período recente, estudos sobre políticas do Estado utilizando análise de redes têm contribuído nesta direção, ao propor a existência de estruturas de médio alcance constituídas por redes entre atores no interior de instituições específicas. Essas estruturas constituem um denso e complexo tecido relacional interno ao Estado que emoldura a dinâmica política e influencia fortemente a formulação e a implementação das políticas públicas. A análise de redes sociais é um campo de estudo amplo e recente, embora pouco desenvolvido no Brasil até o momento. Os raros estudos existentes, entretanto, têm explorado de forma analiticamente inovadora certos fenômenos, em especial as dinâmicas internas ao Estado e as relações entre ele e a sociedade mais ampla, no interior de comunidades de política pública específicas" (MARQUES, 2006, p.15).

Segundo Eduardo Vasconcellos (2001), "as políticas ocorrem em contextos objetivos e são o reflexo parcial das limitações impostas por eles. Não existe uma política 'absoluta', livre de pressões reais de várias origens".

Ao se analisar o processo de produção de uma política é necessário atentar para o fato de que se trata de uma construção abstrata. Pode-se apenas apreciar subjetivamente seus caminhos e condicionantes, identificando limitantes mais relevantes e seu peso relativo. Deve-se ponderar ainda que muitos impactos são gerados por agentes que não tomam nenhuma atitude, ou seja, a ausência de decisões é também um fato a ser registrado e inserido no contexto da análise. O processo analítico deve separar claramente duas características distintas da política, sua substância (conteúdo) e seu processo (dinâmica). A análise do processo deve levar em consideração os eventos econômicos e políticos relevantes que influenciam a sociedade de um modo geral, bem como a própria política. Alguns componentes essenciais da política servem de elementos para a identificação de períodos: A formulação, que envolve a materialização da substância da política, ou seja, como se produziu aquelas recomendações explícitas e suas justificativas. A regulamentação, englobando os grupos e agentes sociais que foram escolhidos como objeto da política. A implementação, relativa à dinâmica de como colocar as decisões em execução. Por fim, a apropriação, que se refere ao uso que foi feito dessa política e quem realmente foi influenciado por ela.
A identificação dos agentes que participam direta ou indiretamente da formulação e implementação de uma dada política deverá levar em consideração o contexto.
 


Situando brevemente o Planejamento de Transportes
(e Urbano) no Brasil »


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