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Resultados pífios.

Tenho uma vontade imensa de repetir a abertura de uma palestra que dei anos atrás aqui em São Paulo. Fui apresentado, fiz um silêncio enquanto passava os olhos por toda a platéia de técnicos de trânsito, transporte e áreas correlatas; além de gente do setor de bicicletas, e soltei o verbo: "O que vocês pensam que os ciclistas pensam que vocês pensam sobre os ciclistas?". E fiz outro silêncio para esperar que caísse a ficha do pessoal. E caiu, pude ver nas expressões. E só então voltei à carga com o verbo: "Deixa morrer que é tudo pobre e não faz diferença". A partir daí falei tudo que gostaria de ter dito em toda minha vida. Falei sobre a situação do ciclista nas cidades brasileiras sob a visão de um ciclista, eu no caso, e continuei com o meu desabafo passando pela situação da bicicleta, a máquina, o veículo, no Brasil. Não perdoei nada, não quis agradar ninguém. Fora alguns poucos que entenderam o desabafo o resto da platéia ficou brava, podemos dizer assim. Terminadas as falas de todos na mesa de palestrantes houve quem tenha feito a sugestão de lavrar Boletim de Ocorrência contra mim.

Não me arrependo um milímetro do que foi dito e só sinto que não tenha sido aberto um processo na Justiça para ver no que daria. Como não disse palavra que valesse mentira creio que só serviria para deixar a situação dos ciclistas mais clara perante a sociedade. A palestra foi escrita com muito cuidado e na época lida previamente para Sérgio Luiz Bianco, um dos responsáveis por aquele seminário. Ele achou um pouco pesado, mas politicamente apropriado para o momento, ótima para mexer em brios. Foi também ele que depois da palestra evitou que se chegasse a uma delegacia para lavrar o Boletim de Ocorrência.

Lá se vai algo em torno de 8 anos da ocasião. E hoje creio que só mudaria a frase inicial de minha palestra para: "Por favor, pensem um pouco e me respondam o que vocês imaginam que ciclistas pensam sobre o que vocês, responsáveis pelo desenvolvimento do transporte por bicicleta, pesam a respeito do ciclista". Irei, por técnica de comunicação, repetir a pergunta com calma para que todos a entendam bem. Como no passado eu serei odiado e xingado, muitos vão achar que estou sendo injusto, radical etc... Estarei eu sendo injusto? Cruel talvez. A verdade na lata não deve ser dita - é o que manda a boa política.

Passados estes 8 anos da palestra, e mais de 25 anos de luta para ajudar a bicicleta e o ciclista a ter alguma qualidade, hoje culpo a todos pela situação que vivemos, isto inclui os próprios ciclistas. Todos, sem exceção. Todos têm sua responsabilidade, sem exceção. Depois de tantos anos de luta minha e de um número cada vez maior de abnegados, a situação mudou muito pouco. Diz uma amiga, a quem respeito demais, que a coisa pública tem seu tempo e isto é bom; mas creio que o tempo não pára e muitos são deixados à própria sorte nesta espera.

O que mudou, o que evoluímos em prol da bicicleta e da segurança e conforto para o ciclista foi muito pouco, tão pouco que é quase um engana bobo. E tem gente que bate palminhas achando que é o máximo, que estamos progredindo. Progredindo estamos, mas como lemas. Não nos cansamos de nos enganar. "Me engana que eu gosto" - bem brasileiro.

Nestes últimos anos participei ativamente de praticamente tudo o que pude para ajudar a questão da bicicleta. Sei que valeu a pena, mas é muito duro reconhecer que o resultado deste trabalho ainda está por vir. Eu me sinto um pouco inocente útil e um pouco com missão cumprida. É para mim uma situação confusa e muito desgastante. E no meio deste turbilhão ficam as perguntas "o que deu errado?", "o que fiz de errado?", e "de quem é a culpa?" "como efetivamente conseguir resultados?". Uma pergunta, respondo de imediato: "Não culpe os outros; olhe par seus erros".

Todos nós, ciclistas e usuários da bicicleta, somos responsáveis pelo desprezo, ineficiência e resultados pífios. Passados todos estes anos, muito mais maduro e consciente de como funcionam as coisas do setor público (que é legalmente responsável pela questão da bicicleta), sei que a razão para nossa revolta, a dos ciclistas, é justa, mas sei também que responsabilizar somente o pessoal do trânsito ou transporte é injusto. Injusto porque o poder público acaba realizando, de uma forma ou de outra, o que a sociedade demanda, e a sociedade demanda mais do que nunca espaço para automóveis que, aliás, podem hoje ser comprados em módicas, senão ridículas e irresponsáveis prestações. A sociedade quer realizar seu sonho que é sentir o gosto de liberdade e poder que um carro dá. Tudo tem um preço, ou melhor, como disse o economista Milton Friedman "There is no free lunch".

E no meio desta loucura total se vê pelo menos protestos de ciclistas que cada dia mais parece brincadeiras infantis e ou espernear de adolescentes, mas que acabam dando algum resultado. É surrealista. Não é por nada, mas creio funcionaria muito melhor se a pressão fosse realizada em cima de conhecimento e formalidades. Espernear ou fazer palestras agressivas só dá resultado porque tudo está completamente desequilibrado, esculhambado. Conhecimento, inteligência, qualidade e união fazem uma força que a história demonstra que sempre prepondera sobre a mediocridade e agressividade.

Mas fazer o quê, se toda a sociedade brasileira perdeu a noção de como se comportar coletivamente, do que são metas a médio e longo prazo, do que é qualidade de vida. Estou cá falando besteira?
O fato é que a sociedade brasileira não faz pressão efetiva sequer para que as cidades tenham um local apropriado para caminhar que mereça minimamente o nome "calçada" (que no final das contas afeta a vida de absolutamente todos). Calçada de verdade só em raríssimos locais, no resto... Quando se chega a uma situação destas é porque estamos todos perdidos. Perdemos completamente a noção do que é básico.

 
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