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Contra-cultura da falta de cultura

Estacionado em frente ao chique restaurante está parado um Hummer preto com rodas especiais, raiadas e cromadas, de diâmetro grande para pneus de perfil baixo ou fino, sei lá. Um pouco atrás uma Pajero prata "tunada" veste o mesmo estilo. Que maravilha! Um jeep militar e uma "rural" moderna, veículos conhecidos como SUV - Sport Urban Veycule, usando rodas e pneus como os da Ferrari e que são projetados para asfalto liso, sem buracos ou desníveis. Perfeito para o Brasil, não acha? Como diz minha prima: cada um faz o que quer.

Na avenida, lá perto, há centenas de rabiscos indecifráveis dos pixadores idênticos aos que arrebentam por toda cidade. Por sinal, pixador é com "x" ou "ch"? Pixador que é pixador escreve com "x", portanto... Bom, pixar é coisa de quem procura a auto-afirmação sem o mais remoto critério e quer que todos se danem. Não têm a menor referência, só estão preocupados em deixar uma marca pessoal, a "singela" demonstração de ego e poder marcados na sua grafia analfabeta. O ato de revolta "heróico" é direcionado exclusivamente para os amigos e rivais verem e invejarem. Enfim, cada um faz o que quer.
Pensando bem, pixadores podem ser comparados com os proprietários de Harley-Davidson que circulam com escapamento aberto. No fundo do ego os dois grupos são muito parecidos. Provavelmente os complexos de inferioridade também.

Já os grafiteiros têm critérios para a interferência urbana que fazem, o que demonstra um bom caldo de cultura. Há cada dia mais grafites de altíssima qualidade espalhados pela cidade. Realizados por artistas de fato, enchem os olhos dos passantes por um certo tempo e depois simplesmente desaparecem. Sobre eles serão pintados outros grafites e sobre estes, outros e assim por diante. Não interessa se alguns destes trabalhos são "obras primas" que deveriam ser preservadas para gerações futuras. São obras efêmeras - o fino da contra-cultura, dizem os intelectuais (?!?). Triste! Simplesmente desaparecem. Cada um faz o que quer.

Alguns grupos organizados de ciclistas que fazem passeios pela cidade podem ser comparados aos grafiteiros. Fazem tudo direitinho, tem uma boa assinatura social, seguem uma cartilha que tem fundamento, critério; mas não fazem a mais remota noção do que é perspectiva histórica e qual sua importância no jogo da qualidade de vida de todos. A coisa toda começa e acaba no próprio passeio, no umbigo. O negócio é se divertir e ponto. A bicicleta vai e volta para casa na capota do carro e bicicleta como modo de transporte é impraticável. É...; cada um faz o que quer.

O nível da educação que nós brasileiros estamos recebendo é muito baixo. Educação é um processo continuo e nunca acabamos de ser educados. Cultura, educação, educação, cultura... Mesmo os que têm acesso fácil à informação e formação neste país têm um nível baixo de cultura. Preferem os prazeres rápidos da sub-cultura, da cultura-pop ou mesmo o fast-food da falta de cultura, na contra-cultura da falta de cultura. Marketing e propaganda fazem qualquer coisa. Mas fazer o quê? Cada um faz o que quer.

O interessante é que o brasileiro se vira como pode e não raro o faz com inteligência e qualidade. A prova é que o país segue em frente apesar de toda a nossa monstruosa precariedade. Como a maioria não tem acesso à qualidade acaba criando sua cultura a partir do quase zero. Os que estão em cima da pirâmide têm uma dificuldade imensa de entender o que acontece lá em baixo. E também não assumem sua responsabilidade de exercer o dever de dar referências, de ser exemplo social.

Não é a fé ou a crença que estabelece a cultura, mas sua consistência. O que é bom se estabelece.

A boa cultura acaba levando a um acordo comum onde todos trabalham pelo bem comum. A individualidade mata, literalmente! O "cada um faz o que quer" é hoje uma realidade, mas é também uma tremenda insanidade. Aí vem aquela enxurrada de besteiras para justificar: posicionamento político é forma de segurar as inseguranças pessoais; pequenas verdades se transformam em dogmas - pedalar na contra-mão é bom porque você vê o motorista, o capacete faz com que o motorista respeite mais o ciclista, ciclista não é respeitado porque é pobre, ninguém faz nada porque todos que trabalham na coisa pública são ladrões -, minha experiência pessoal diz que isto é verdade etc...
Cada um faz o que quer. Esqueça a cultura, esqueça a leitura. Esqueça que está pedalando no meio do trânsito, no meio de um pelotão, junto com os amigos e faça o que quer. Podes crer, você vai se divertir!

 
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