Muda tudo: Bike Socorro Porto Seguro
Quando começaram a explicar o que pretendiam, um frio na espinha e ao mesmo tempo uma inveja quente nas veias. Como não pensei nisto antes? O entusiasmo com que apresentaram a idéia era notável. Havia um brilho especial em cada um daqueles olhos, a certeza que estavam apresentando uma idéia simples, mas de rara qualidade. O óbvio se esfrega na cara da gente e não percebemos, e este pessoal pegou o óbvio e acertou na mosca!
Depois das primeiras palavras comecei a viajar nas possibilidades que ali se abririam com a real dimensão deste projeto. Confesso que perdi mais da metade do que foi dito, dos detalhes da operação. Santo Deus! Olha só isto! Dos cinco na reunião, Milton, Margareth e Mirian, os três funcionários da Porto Seguro Seguros e pais da idéia, e eu e Luiz pela Escola de Bicicleta, fui o único naquela mesa que tinha certeza que a história da bicicleta no Brasil a partir daquele exato momento havia mudado de rumo. Para o bem!
Simples, a Porto Seguro Seguros passou a usar a bicicleta em vez de caminhão guincho para fazer atendimento a segurados de carros em caso de socorros podendo ser solucionados no local. É o projeto Bike Socorro Porto Seguro Seguros. Foi pensado olhando para a questão ambiental, a praticidade e a eficiência. Idéia brilhante por si só, ótima para a empresa e seus clientes.
O que de fato aconteceu naquela reunião é que a maior e mais respeitada empresa de seguros do país (e provavelmente da América do Sul) sinaliza a todas as grandes empresas e à sociedade civil que a bicicleta é segura. Isto muda tudo, absolutamente tudo, e só quem está a 25 anos na luta pela bicicleta e não-motorizados consegue entender a dimensão real da frase dita na reunião: "nós vamos fazer atendimento a nossos clientes com bicicletas". E eu pensei "Meu Deus!, muda tudo, absolutamente tudo. Isto aqui é conversa de Papa, de Concílio, não de baixo clero. Estes fieis à bicicleta abriram as portas da redenção!"
Enquanto continuavam a explicar a idéia, por minha cabeça passou um filme muito rápido, de imagens muito precisas, cheio de pensamentos, perguntas e respostas, constatações, daquelas que só acontecem na vida da gente em situações de muita intensidade emocional. O Brasil arcaico do pensar o transporte centrado única e exclusivamente na política motorizada, leia-se automóvel, sofreu ali um duríssimo golpe. Fora lançada a pedra fundamental da revolução para 45 milhões de ciclistas que já circulam dia a dia no Brasil. E também para todos os outros que têm medo de circular de bicicleta. E para pedestres, crianças, velhos, deficientes, para todos, até mesmo para motoristas. A forma de pensar as cidades muda. A qualidade de vida muda. Muda tudo!
Quebrou-se um paradigma pétreo brasileiro. Todas as rádios, TVs, Internet, jornais, revistas deveriam estar anunciando a grande notícia: "Bicicleta não é mais insegura. A partir daquele momento a bicicleta é segura; passou a ter um selo de segurança. Não um simples selo, mas o da Porto Seguro! A bicicleta recebeu "O" selo de segurança!" Uau! PQP!
Minha cabeça só parou quando me perguntaram:
- Gostou da idéia?
- Não, não gostei. E dei um tempo para ver a reação de todos. - Não gostei porque a idéia não é minha. E a gargalhada foi geral.
Quando paramos de rir tentei quase em vão explicar a dimensão do projeto, o que fiz muito precariamente. Eu estava enlouquecido, num momento de raríssima felicidade, êxtase total a bem dizer. Sempre imaginei que tinha trabalhado para tentar fechar todos os pontos relacionados com a bicicleta, da questão industrial à dos ciclistas, passando pelas questões públicas. Mas faltava um elo: o de uma grande empresa assinar embaixo. E ninguém menos que eles estavam assinando o Ok para a bicicleta e ciclistas. Maravilha!
Passado uma semana do início das operações dos "Bike Socorro", foi realizada a primeira avaliação. Mesmo com uma equipe de ciclistas iniciantes e com o trânsito de férias de São Paulo, o que ajuda muito os guinchos e picapes, as bicicletas haviam realizado atendimentos bem mais rápidos que os motorizados. Surpreendente para eles, previsível para nós da Escola de Bicicleta. E olha que o treinamento da equipe de ciclistas ainda não terminou e eles vão ficar muito mais rápidos e eficientes. Todos os "condutores" das bicicletas partiram do zero. Nenhum deles é ou foi ciclista, quando muito pedalam de vez em quando. São, por profissão, motoristas. Enfim, passado só 15 dias de operação, estão apaixonados pela nova opção. Alguns não querem mais voltar para seus caminhões ou picapes. Todos se sentem melhor, mais felizes, um deles emagreceu visivelmente. Os clientes têm respondido da melhor maneira possível. O projeto Bike Socorro definiu sua sorte nos primeiros dias é terá vida longa. Eu sabia.
Mas não pára aí. Uns dias depois, fomos contatados pela "Porto" para dar assessoria em outros dois projetos relacionados à bicicleta: um inspirado nas bicicletas comunitárias da Europa (Velib, Bicing, etc...) e um outro que não posso contar ainda. Pegamos o bonde andando no das bicicletas comunitárias e vamos dar o polimento. Vai funcionar.
Não sei quanto vai demorar até que a boa nova se difunda por outras empresas e gere resultados para a grande população. Vai depender de como a notícia circular. Há uma grande possibilidade que estas ações venham a forçar atitudes positivas por parte das autoridades de trânsito. Muda o jogo: eles vão ter que correr atrás.
De uma coisa tenho certeza: estou extremamente feliz de estar participando desta grande mudança na história do Brasil. É fantástico participar da história. A Porto Seguro Seguros atirou no que viu e acertou no que não viu - e todos nós brasileiros um dia vamos agradecê-la.
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